terça-feira, maio 04, 2010

Ágora, de Alejandro Amenábar


O filme Ágora de Alejandro Amenábar recria minuciosamente um dos períodos mais importantes da história da humanidade: a expansão do cristianismo. Na antiga cidade de Alexandria coabitam três religiões: o paganismo, o cristianismo e o judaísmo. E se hoje podemos assistir ao mau estar criado pelas diferentes religiões espalhadas pelo mundo, imaginem o ambiente vivido no séc. IV na cidade de Alexandria... É difícil de imaginar, de facto. Mas também não é necessário, porque o filme Ágora recria fidedignamente esse período.
O filme mostra-nos o confronto entre a antiga religião do império romano, devota aos vários deuses, e o cristianismo; a afirmação do cristianismo como nova religião; a perseguição aos judeus; o descrédito da ciência em favor da religião; a destruição da biblioteca de Alexandria, com os livros antigos, em formato de rolo, queimados, uma vez que estes eram considerados símbolos e veículos da cultura e da religião pagã; e, fundamentalmente, o desvirtuamento da condição e do estatuto social da mulher, através da figura central do filme: a filósofa Hipátia, excepcionalmente protagonizada pela actriz britânica Rachel Weisz.
Hipátia foi uma filósofa extremamente importante. Sempre à frente do seu tempo, lutou para unir a humanidade, convicta naquilo que mais defendia: a ciência. Não obstante, acabou por ser contestada pelos cristãos, fiéis leitores e seguidores da Bíblia: «Então descobri que a mulher é mais amarga do que a morte, porque ela é uma armadilha...» (Eclesiastes 7, 26); «Foi pela mulher que começou o pecado e é por culpa dela que todos morremos» (Eclesiástico 25, 24); «Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem» (Timóteo 2, 13).
Ágora recria assim, historicamente, os últimos anos da filósofa Hipátia e retrata tempos de intolerâncias religiosas e de escassa liberdade de expressão. Como refere o realizador, «o filme é contra a intolerância e alerta para aqueles que, nos dias de hoje, ainda estão dispostos a matar pelas suas ideias».
De salientar o trabalho de recriação e caracterização da época. Podia chamar a atenção para muitos pormenores, chamo especificamente para o uso das antigas tabuinhas de cera, suporte de escrita usado logo na primeira cena com a filósofa, onde podemos ver os seus alunos a tomar anotações nesse suporte; também de realçar o antigo formato do livro antigo a ocupar as estantes da biblioteca de Alexandria: o rolo. O único formato do livro actual que aparece no filme é a Bíblia e, na verdade, os cristãos foram de certa forma responsáveis pela expansão deste novo formato, em detrimento do rolo, visto como símbolo da cultura pagã.
É tradição deste blogue elegerem-se os melhores filmes de cada ano. Não foram eleitos ainda os de 2009, mas eu atrevo-me a apontar este como um dos melhores, sem dúvida. Para quem ainda não teve a oportunidade ou a curiosidade de ver, aconselho vivamente.


Saudações de uma comparsa!

1 comentário:

Hugo disse...

Afinal ainda não vi mas aceito a sugestão...
Claro que tinha de ter uma bela recriação de época...
Tinhas de arranjar maneira de partilhar com os comparsas o estudo sobre os diferentes formatos de livros:)

Saudações de um CAMARADA